quinta-feira, 15 de abril de 2010

Os loucos e o governador


 Certa vez houve uma festa junina no hospital. Nesse dia tinha um pouco de tudo: fogueira, quadrilha, quebra-potes, pau-de-sebo e outras brincadeiras. Havia nos fundos do hospital uma grande área onde se podia jogar “pelada”, voleibol e que também era usada para outra atividades. Por toda parte se via bandeirolas coloridas e no centro do imenso quintal a fogueira já estava acesa.

O diretor do hospital, figura de grande influência política, havia convidado algumas autoridades para a inauguração das reformas feitas recentemente nessa área de lazer e para participarem da festa que marcava essa obra. O convidado central era o governador do Estado, que vinha sempre acompanhado de numerosa comitiva. Dois internos, um branco e um negro adoravam ficar próximo às autoridades nas inaugurações e festas que ocorriam no hospital. Já era um fato comum e repetido em outras ocasiões.

No dia dos preparativos para a festa o hospital mais parecia um formigueiro. Enquanto uns levavam cadeiras e mesas, outros colavam bandeirolas ou estavam varrendo o chão, carregando lenha e ajudando na cozinha. No final da tarde a festa começou. Os internos dançavam pela música de um velho sistema de som instalado às pressas. Mais tarde alguém pede a palavra e anuncia a chegada do governador e sua comitiva. Todos pararam de dançar e ficaram assistindo aos longos discursos feitos pelas autoridades. Após o discurso do governador elogiando o hospital, seguiram-se as palavras de agradecimento do diretor. Foram servidas as comidas e bebidas.

O paciente negro, junto ao governador, observava com atenção olhando-o de cima a baixo enquanto ele saboreava as deliciosas comidas e bebidas. Quando ele, satisfeito, se despedia para sair o paciente negro o interrompeu e falou: “Doutor, agora que o senhor já comeu bem, está na hora de ajudar a gente a levar de volta para o refeitório as mesas e as cadeiras”. O paciente branco, visivelmente embaraçado e cumprimentando o governador, falou: “Não se preocupe excelência, o nosso amigo aqui é um paciente em recuperação. Ele é gente boa. Estava só brincando”. O governador, um pouco constrangido, disfarçou com um sorriso eleitoral, cumprimentou ambos os internos e foi saindo. Atrás dele foram as autoridades, o diretor, sua comitiva e os adeptos da ala conservadora. Agora já era possível o representante do governo estadual conversar e apertar a mão dos “loucos”.

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