quinta-feira, 15 de abril de 2010

A experiência com drogas

Naquela época a droga da moda era a maconha. Estava presente em todos os lugares e percorria todas as classes sociais. Na universidade, na rua, nas boates, enfim, em quase toda parte era consumida com razoável freqüência. No hospital ela transitava sob o olhar moralista dos conservadores e com aquele gostinho de proibição tão tentador, que despertava maior interesse nos jovens.

Apenas um, entre os cinco residentes, usava eventualmente a droga nos fins-de-semana e, quase sempre, fora do hospital. Entre os pacientes havia cerca de trinta pessoas, cujo principal motivo da internação estava relacionado com o uso excessivo e habitual da maconha. O contato com eles se tornava bastante difícil pelo fato de usarem uma linguagem própria, uma gíria específica e grupal, um verdadeiro código secreto, particular aos entendidos em drogas.

Sendo jovens, nos sentíamos um pouco "caretas" e "por fora" desse mundo e dessa terminologia, que expressava estados mentais esquisitos, provocados pela ação da droga. Resolvemos um dia experimentá-la e organizamos uma série de sessões para observar como cada um agiria sob os efeitos da maconha. Decidimos que seriam escolhidos os domingos como os dias de testes, já que era raro recebermos visita nesse dia. Como éramos cinco, decidimos que o plantonista do dia ficaria observando e anotando a reação dos que estivessem experimentando a droga. Fizemos o rodízio e após cinco domingos todos fizeram uso da droga.

Era curiosa a forma pela qual a maconha atuava sobre o comportamento de cada um de nós: a fome desenfreada, os risos sem motivo aparente, o gestual e estranho e os neologismos utilizados, eram algumas das reações observadas. A maconha liberava, dos porões e do sótão do psiquismo, os conteúdos mais estranhos e desconhecidos da consciência e, através dos comportamentos, os deixava visivelmente a mostra.

Era interessante ver o residente, normalmente sóbrio e sério, só de cuecas e com o estetoscópio no ouvido, enfiar sua extremidade num canudo de cartolina e aproximá-lo do alto-falante da caixa de som para, assim, aproveitar melhor as deliciosas notas musicais. Ele dizia que via as notas musicais pairando no ar e podia pegá-las; elas tinham um intenso colorido e bailavam animadamente dentro do ritmo. Só os que estavam sob ação da droga conseguiram "ver" essas coisas e ainda sentir outras sensações diferentes.

Outro colega viu um "garfo fugindo" e saiu correndo atrás dele, morrendo de rir. Um outro viu sua cama transformada em um barco e, com duas vassouras, punha-se a remar desesperadamente para vencer a "correnteza". Pedia a ajuda de todos, pois se encontrava em grande perigo. Suava muito e só parou de remar quando chegou em "terra firme". A fome despertada pela maconha era tão forte que os quatro residentes, antes tão solidários e educados, brigavam agora por um pedaço de pão, como se fossem quatro crianças pequenas. Devoraram tudo o que havia na cozinha.

Outro residente, que há poucos dias tinha brigado com a namorada, agora chorava, cantava e fazia versos de amor para sua amada; olhava seu rosto e a beijava sem parar. Quando soltava o travesseiro, este estava úmido e todo babado de tanto amor.

Era assim no quarto dos residentes, tudo era possível. Não era à-toa que estávamos internados num hospital psiquiátrico. Só faltava um pequeno estímulo, como a maconha, para que nossas loucuras se mostrassem ao mundo. Os outros loucos estavam nas alas, e nós, concentrados naquele quarto, vivenciávamos nossas loucuras estimulados pela droga.

O residente-observador, sóbrio, anotava as reações e ria bastante; não compreendia nada, mas mantinha a porta do quarto bem trancada e a chave no bolso. Seria o nosso fim se alguém fugisse do quarto e saísse, desse jeito, pelo hospital. Provavelmente seria levado para a ala masculina e contido por algum enfermeiro dedicado e atento. Ficaria entre os seus colegas loucos e se tornaria um paciente durante algumas horas, até que o efeito da droga passasse. Poderia também ser expulso do hospital, pelo que constava no Regulamento Disciplinar Interno.

Talvez o maior efeito que essa experiência nos proporcionou foi a obtenção de um maior respeito e compreensão em relação aos dependentes de drogas do hospital. Essa experiência não mais foi repetida e cada um que cuidasse de si em relação às drogas e as alterações do comportamento que ela proporciona.

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